MEC diz que criacionismo não é tema para aula de ciências

Por Pollyana Nascimento. Em 17/12/08 07:58. Atualizada em 24/01/12 08:26.
Material didático do Mackenzie e Pueri Domus traz visão teológica no ensino fundamental; segundo modelo, que se opõe à teoria da evolução desenvolvida por Charles Darwin, o Universo foi criado por um ser superior

Fábio Takahashi e Talita Bedinelli escrevem para a “Folha de SP”:

O Ministério da Educação tomou posição no debate relativo ao ensino do criacionismo nas escolas do país. Para o MEC, o modelo não deve ser apresentado em aulas de ciências, como fazem alguns colégios privados, em geral confessionais (ligados a uma crença religiosa).

"A nossa posição é objetiva: criacionismo pode e deve ser discutido nas aulas de religião, como visão teológica, nunca nas aulas de ciências", afirmou à Folha a secretária da Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar. Apesar do posicionamento, o MEC diz não poder interferir no conteúdo ensinado pelas escolas, pois elas têm autonomia. Conforme informou o colunista da Folha Marcelo Leite no último dia 30, o colégio Mackenzie (presbiteriano) adotou neste ano apostilas que apresentam o criacionismo nas aulas de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental. Outras escolas, como as adventistas, por exemplo, praticam opção semelhante.

Teorias

Os criacionistas dizem que o Universo foi criado por um ser superior, assim como os seres vivos. Para eles, a vida é muito complexa para ter surgido sem intervenção sobrenatural. Essa crença se opõe à teoria da evolução desenvolvida por Charles Darwin, presente nas diretrizes curriculares nacionais, segundo a qual todas as espécies provêm de um ancestral único -e, a partir dele, se diferenciaram, chegando à diversidade atual de seres vivos.

O entendimento do MEC é semelhante ao dos pesquisadores contrários ao criacionismo: o modelo não pode ser considerado teoria científica por não estar baseado em evidências (preceito tido como básico para se definir o que é ciência). "[O ensino do criacionismo como ciência] é uma posição que consideramos incoerente com o ambiente de uma escola em que se busca o conhecimento científico e se incentiva a pesquisa", afirmou Pilar.

O presidente da Associação Brasileira de Pesquisa da Criação, Christiano da Silva Neto, tem entendimento diferente. Para ele, como não há consenso sobre qual teoria está correta, "a maneira mais justa e honesta de lidar com a questão é apresentar ambos os modelos nas aulas de ciências, dando-se destaque aos pontos fortes e fracos de cada um".

Escolas

O criacionismo é ensinado no Colégio Presbiteriano Mackenzie desde 1870, quando a instituição foi fundada. O conteúdo é abordado no sexto ano do fundamental -para crianças com idade por volta dos 11 anos-, assim como a teoria evolucionista. Neste ano, no entanto, o colégio passou a adotar um novo material nos três primeiros anos do ensino fundamental. São apostilas com conteúdos didáticos convencionais, onde há a explicação criacionista, mas sem a teoria evolucionista.

Segundo o colégio, nessa idade (por volta dos oito anos) os alunos não estão preparados para aprender o darwinismo. O colégio anunciou que alterará o conteúdo das apostilas, abrandando o caráter religioso, mas manterá o criacionismo. O Pueri Domus Escolas Associadas, uma rede laica que reúne 160 escolas no Brasil inteiro, algumas com orientação católica ou protestante, também apresenta o criacionismo nas aulas de ciências.

O conteúdo é exposto com o evolucionismo no oitavo ano do ensino fundamental das escolas. Para Lilio Alonso Paoliel-lo Júnior, diretor de conteúdo da rede associada, o objetivo é promover o debate. "Negativo seria não deixar que a discussão acontecesse. É uma questão de posição pedagógica. O conteúdo é aceito por pais das escolas laicas e das religiosas", diz o diretor.

A visão também é defendida por Maria Lúcia Callegari, orientadora do colégio Santa Maria (zona sul de SP). "Quando falamos sobre o surgimento da vida, abordamos o criacionismo e o evolucionismo. Trabalhamos com pluralidade na ciência, para romper a idéia de uma verdade absoluta. "Na escola, o conteúdo é ensinado para os alunos do quinto ano do ensino fundamental e, segundo ela, não há reclamação de pais por causa do conteúdo. Ciência não usa crença como base, diz bióloga.

A bióloga Rute Maria Gonçalves de Andrade, diretora da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), diz que "de forma nenhuma" o criacionismo pode ser ensinado em aulas de ciências. Isso porque, afirma, "falta tudo" para que essa linha seja considerada ciência.

- O criacionismo deve ser ensinado nas aulas de ciências nas escolas? De forma nenhuma, pois não é conhecimento científico. Ninguém pode fazer, por exemplo, um experimento para provar a existência de Deus. E fazer experimentos é uma das bases da ciência. Na ciência, não se pode usar como base a crença. Não posso dizer que um animal está em extinção porque eu simplesmente creio nisso. Na ciência, tem de haver método, o que os criacionistas não conseguem fazer.

- O que a sra. acha de escolas que ensinam, juntos, evolucionismo e criacionismo? Também acho errado. Claro que um aluno pode questionar sobre o criacionismo, mas o professor deve estar preparado para dizer que isso não é conhecimento científico.

- Mas os criacionistas vêem falhas e criticam a teoria evolucionista. É um absurdo. Obviamente a teoria da evolução ainda não se esgotou, mas o que foi descoberto até agora foi pautado por métodos científicos. Quando se publica em revista científica, a metodologia é rigorosa e os procedimentos devem ser passíveis de reprodução. Para o criacionismo, falta tudo isso. Apresentar esse modelo aos alunos é um prejuízo, pois eles ficam impedidos de ver o que é o conhecimento científico.

Teorias devem ser dadas juntas, diz criacionista. O presidente da Associação Brasileira de Pesquisa de Criação, Christiano da Silva Neto, afirma que, enquanto não houver consenso, tanto o evolucionismo quanto o criacionismo devem ser dados nas aulas de ciências.

- O criacionismo deve ser ensinado nas aulas de ciências nas escolas? Melhor seria perguntar: "Por que estudar as origens?". Todas as culturas demonstram interesse por isso. Conhecendo as origens das espécies, do Universo, pode-se explicar o que ocorre no presente. Os cientistas evolucionistas entendem que seu modelo é o que corretamente explica as origens do Universo e da vida, enquanto os cientistas criacionistas entendem que o seu modelo é o correto.

- O que o sr. acha de ensinar tanto o criacionismo quanto o evolucionismo? Há muitos pontos dogmáticos, tanto no modelo evolucionista quanto no criacionista. A grande maioria dos homens de ciência, hoje, é de evolucionistas, mas vem crescendo o número de cientistas criacionistas. Enquanto o consenso não existir, a maneira mais justa e honesta de lidar com a questão é apresentar ambos os modelos nas aulas de ciências, dando destaque aos pontos fortes e fracos de cada um.

- Para os críticos, criacionismo não é ciência. É uma acusação injusta, derivada da falta de conhecimento. O criacionismo aponta para a existência de um agente externo ao Universo, que teria sido a sua causa. A ciência não tem, ao menos hoje, capacidade para investigar algo fora dos limites do Universo. Portanto, esse agente está fora dos limites da ciência.

Haddad reclamou de apostila, usada por sua filha. A polêmica acerca do ensino do criacionismo nas aulas de ciências envolveu pessoalmente o ministro da Educação, Fernando Haddad. A filha dele de nove anos estuda na unidade de Brasília do Mackenzie, que adotou o material -desenvolvido pela instituição- com conteúdos criacionistas.

Segundo a Folha apurou, no início do ano letivo, Haddad percebeu que o modelo estava presente no material didático da filha e, irritado, foi reclamar com a direção do colégio. A escola confirma que um grupo de pais procurou a unidade, incluindo o ministro. Afirma, porém, que a principal reclamação era a falta de revisão do material, que possuía erros gramaticais. As apostilas foram utilizadas por uma semana, no início do ano letivo. Após os protestos, foram retiradas de circulação e substituídas por livros didáticos comuns. O mesmo material, porém, continuou a ser utilizado em São Paulo.

"A unidade de São Paulo passou pela revisão, mas os livros não foram retirados porque eles preferiram fazer a errata. A sociedade de Brasília é mais exigente", diz a diretora do Mackenzie de Brasília, Sandra Maria de Paiva.

No ano que vem, as apostilas revisadas voltarão a ser usadas na unidade de Brasília. Mas a implementação será gradativa. Em 2009, só o primeiro ano do fundamental a utilizará. Em 2010, elas também serão usadas pelo segundo ano e assim sucessivamente, até que todas as séries tenham o material. Pelo sistema, caso a filha do ministro, que irá para o terceiro ano, continue na escola, ela não estudará com as apostilas do sistema Mackenzie. A Folha procurou o ministro, mas sua assessoria informou que ele está de férias.

Fonte: Folha de São Paulo