Lixo ideológico que a imprensa tem produzido ao cobrir a Olimpíada

Por Pollyana Nascimento. Em 13/08/08 07:28. Atualizada em 20/07/16 08:32.

Agora que os Jogos começaram, César Benjamin para que o lixo ideológico se retraia,para que possamos prestar atenção nos atletas

Segundo César Benjamin, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa daUniversidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é deveras impressionante o lixo ideológico que a imprensa tem produzido ao cobrir a Olimpíada. Em geral, os repórteres buscam sempre os ângulos maisnegativos, mesmo à custa de adentrar o ridículo. Vi coisas incríveis.

 

O locutor ressalta o caráter repressivo do regime chinês, enquanto asimagens mostram, como prova disso, um grupo de guardas de trânsito e câmerasde televisão que monitoram avenidas. O locutor fala do controle do PartidoComunista sobre as pessoas, enquanto na tela aparecem torcedores quepreparam uma coreografia. Manifestações com menos de cinco indivíduos sãotratadas como acontecimentos épicos. Se houver um pouco maiores, é a provade que o povo está contra o governo. Se não houver, é a prova de que arepressão é terrível.Ideologias não se subordinam a fatos. Elas criam fatos e se realimentam desuas criações. Formam sistemas fechados. Por isso, a China não tem saída:aconteça o que acontecer, faça o que fizer, é culpada. Se fizer o bem, é pordissimulação.

Ela é má. Atletas americanos desembarcaram em Pequim usando máscaras contra apoluição, mas tiveram azar.Nesse dia, excepcionalmente, o ar na capital chinesa estava mais limpo que ode Nova York, de onde haviam partido. Apoiamos essas grosserias como sefossem gestos nobres.George W. Bush, que praticamente não havia saído do Texas até se tornarpresidente dos Estados Unidos, acredita que os chineses só não praticammaciçamente o cristianismo porque o governo deles não deixa.

Ignora umacivilização que tem 7.000 anos de história. Ela construiu uma sofisticadavisão do homem, do mundo e do cosmo, nem melhor nem pior do que a nossa, masdiferente, e sem a qual a existência humana seria muito mais pobre. Repórteres monotemáticos escrevem todos os dias sobre falta de liberdade deexpressão, carregando nas tintas, para cumprir a pauta que receberam doschefes. Se não a cumprirem, serão demitidos.

Defendem, pois, uma liberdadeque eles mesmos não têm. "Os chineses estão perplexos com tantasmanifestações contra o seu regime em todo o mundo", escreveu um deles, semse importar com o fato de que em nenhum lugar tem havido nenhumamanifestação relevante.Perplexos estamos nós, pois a China não nos obedece mais. Sua economia serámaior que a dos Estados Unidos em 15 anos. Dos 200 milhões de pessoas quedeixaram a pobreza na última década, no mundo, 150 milhões são chinesas. OEstado é forte, mas isso não quer dizer que seja ilegítimo.

Se ainda fossefraco, como já foi, lá continuaria a ser o lugar dos negócios da China.Tamanhas mutações e tão complexo processo de desenvolvimento, em curtoperíodo, em uma sociedade que há pouco era paupérrima, com 1,3 bilhão depessoas, não se fazem sem grandes contradições e problemas, que ninguémdesconhece, muito menos os próprios chineses. Onde não foi assim? As civilizações ocidentais, como se sabe, só usam a violência em benefíciodas vítimas.

Reduzimos os índios do Novo Mundo à servidão, mas foi paracristianizá-los. Escravizamos os africanos, mas foi para discipliná-los pelotrabalho. Estamos massacrando os iraquianos, mas é para ensiná-los a serlivres. Nossa próxima missão, pelo que vejo, será libertar os chineses de simesmos.O problema é que eles são muitos.Estão cada vez mais fortes. E não desejam deixar de ser o que são. Isso nosassusta. O resto é empulhação. Agora que os Jogos começaram, torço para que o lixo ideológico se retraia, para que finalmente possamos prestar atenção nos atletas de todo o mundo.

Fonte: editor da Editora Contraponto.