noticia7816.jpg

Vem aí a "Pílula do Exercício"

By Pollyana Nascimento. On 11/13/08 08:46 . Updated at 01/24/12 08:26 .
O doping se espraia para além do esporte de alto rendimento. O uso de substâncias anabólicas é difundido entre os jovens.

O uso de substâncias anabólicas é difundido entre os jovens.

No inicio de agosto, a Folha e outros veículos da mídia publicaram notíciascomo "Pílula do exercício" faz cobaia virar maratonista. Os benefícios doexercício físico já podem ser colocados em uma pílula" e "Drogas capazes detransformar sedentário em atleta ameaçam Jogos Olímpicos".

As notícias tratavam de uma pílula, ainda só testada em camundongos, queteria a capacidade de reproduzir no organismo humano os efeitos fisiológicosdos exercícios físicos. Tal pílula poderia ser usada tanto por atletas, paraaprimorar seu desempenho com o treinamento, quanto por não-atletas, paramelhorar sua resistência física, mesmo sem a prática de atividades físicas.Essas reportagens trazem à tona um dos maiores e mais recorrentes problemasdo esporte de alto rendimento: o doping.

De fato, inúmeros atletas, tais como Ben Johnson, Florence Griffith Joynere, mais recentemente, as brasileiras Maurren Maggi e Rebeca Gusmão, já foramdenunciados pela prática ou mesmo pela suspeita da prática de doping. Agoramesmo, por causa da 29ª edição dos Jogos Olímpicos, ora em andamento nacidade de Pequim, já há casos de doping identificados.Mas novas drogas, como a "pílula do exercício", são de difícil detecção emexames antidoping, o que já é visto como motivo de preocupação pela AgênciaMundial Antidoping.

O doping, porém, é prática que se espraia para além do esporte de altorendimento. O uso de substâncias anabólicas e correlatas é prática difundidaentre jovens e adolescentes, sobretudo entre praticantes de musculação,movidos pela busca de um corpo obediente aos padrões estéticos da época.Para esses jovens, a antevisão de um corpo belo e atraente parece superar osriscos do uso dessas substâncias.

A possibilidade de que essas "pílulas de exercício" venham, de fato, a serproduzidas preocupa não só os que defendem o esporte de alto rendimentoguiado por preceitos éticos, mas também os que advogam a promoção daatividade física tomada como prática corporal hedonística.Além disso, a possibilidade de um medicamento capaz de transformarsedentários em pessoas fisicamente ativas traz embutida a idéia de que osedentarismo é doença.

Nessa linha de raciocínio, já são consideradas doenças o estresse, a faltade vigor e a disfunção erétil, uma vez que, no mercado, há váriosmedicamentos destinados ao tratamento dessas e de tantas outras condições.Na verdade, a "pílula" contra o sedentarismo (ou contra qualquer outrocomportamento considerado "não saudável") coloca a prática da atividadefísica dentro de uma lógica pragmatista e biomédica.

Sob essa perspectiva, não estão em questão os aspectos sociais, históricos eculturais que influenciam a adoção ou não de hábitos e comportamentos. Emoutras palavras, esses aspectos estão "apagados" pela capacidade dassubstâncias químicas da "pílula" de reproduzir no organismo humano osefeitos fisiológicos dos exercícios físicos, seja em atletas, seja empessoas ditas sedentárias. Então, na prática, tanto o doping quanto osedentarismo são tratados como fenômenos meramente biológicos.

"Não demora muito, teremos no mercado um medicamento real para combaterespecificamente o sedentarismo", afirmei há alguns meses em tese defendidana Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, na qualanalisei um programa de atividade física que defende o uso de um medicamentoimaginário para promover a atividade física na população brasileira.Não sou vidente, médium -nada do tipo. É verdade que não esperava quetentativas reais de produção de tal medicamento surgissem tão rapidamente.Entretanto, não era tão difícil prever o advento da "pílula do exercício",tamanha é a ênfase biomédica que povoa as estratégias de promoção daatividade física no Brasil e no mundo.

Até onde pode ir a medicalização do cotidiano e a biologização do social?Até onde pode ir a intenção, consciente ou não, de oferecer explicaçõesfundadas na biologia para dar respostas inequívocas a questões eminentementesociais?Isso é algo a que devemos estar atentos, principalmente nos dias de hoje,tempo de soluções fáceis para problemas complexos, de grosseirassimplificações do real, da (re)emergência de alternativas messiânicas nocampo político e do demérito das reflexões críticas e filosóficas.

Source: Marcos Santos Ferreira (doutor em saúde pública pela Fiocruz)