Treino errado em academias causa epidemia de lesões

Por Pollyana Nascimento. Em 13/11/08 08:52. Atualizada em 24/01/12 08:26.
Ortopedistas, fisioterapeutas e professores identificam epidemia de lesões causadas pelo treino errado na maioria das 10 mil academias do país

Como em toda véspera de verão, as salas de musculação incham, as aulas de bike bombam. E sobe o índice de sarados machucados. Ali, onde se busca saúde, são fabricadas também - com cinturas de pilão e barrigas de tanquinho- contusões, dores, doenças que incapacitam.

Há ortopedistas, fisioterapeutas e professores de olho nessas relações. Eles identificam uma epidemia de lesões causadas pelo tipo de treino praticado na maioria das 10 mil academias do país (somadas também as informais). "As características genéticas de cada um não são respeitadas nesses treinos. Os professores não sabem identificar sinais patológicos nem a má postura nos aparelhos. O resultado são mais distúrbios musculoesqueléticos." diz a fisioterapeuta Mônica Gianotti, especializada em medicina do comportamento pela Unifesp.

Alexandre Blass, treinador físico aponta a distância entre a universidade e o comércio de fitness como uma das causas dessas falhas: "A complexidade da atividade física exige mais conhecimento. Academias até têm médico, fisioterapeuta, educador. Mas não integram essas áreas".

Ao deixar a vida sedentária, dez anos atrás, a empresária Priscilla Todeschini, 39, partiu para musculação, spinning e esteira. "Aí entrei nessa de correr." Com a meta da maratona de 2000 em Nova York, ela aumentou o ritmo. Teve contratura na panturrilha direita. Depois, rompeu o músculo sóleo, na panturrilha esquerda. "Vivi nove anos com dores incríveis. Acordava como se tivesse dormido de salto alto." Também teve fratura por estresse na perna direita. "Hoje, com a consciência que tenho, acho sala de musculação um terror. Ninguém sabe que aparelho fazer, como sentar. A orientação dada é generalizada."

A empresária, mesmo com dores, não desistiu de correr. Passou por equipes profissionais até conhecer, na academia, um professor que fazia um trabalho específico em corrida e pesquisava dor e prevenção de lesão. "Aprendi a entender meu corpo. Deixei de fazer uma série de exercícios, mas corro o mesmo que antes. A diferença é que não tenho dor nenhuma." O treinador de Priscilla, Luiz Fernando Alves, passou por sete academias. Formado em esporte e pós-graduado em biomecânica, fisiologia, traumatologia e reabilitação pela USP, ele critica o sistema da avaliação pro forma, que impera: "Não existe uma análise postural capaz de guiar a orientação na esteira, bicicleta ou musculação. A avaliação física nunca oferece informações para uma conduta preventiva, que deve ser observada em academias". Para esse professor, cuja linha de trabalho é a correção sistemática de movimentos e o despertar da percepção do corpo, alguns simples ajustes biomecânicos, tanto nas aulas coletivas como nos treinos individuais, poderiam evitar dores. "Mas o profissional de educação física não é preparado para ler o corpo do aluno e vetar exercícios que vão exacerbar os desequilíbrios existentes", diz.

Hoje , segundo Luiz Fernando, os cursos de atualização em biomecânica ensinam qual exercício "pega" mais o músculo "X" ou "Y". "Você aprende que aquele movimento vai ativar mais o peitoral ou o glúteo, mas a custo de quê? Preserva articulação? Protege ligamentos? Nada disso é visto na faculdade. O disseminado, hoje, é o que "pega" mais. Se está "pegando", está bom", ironiza.

O que "pegou" para o médico infectologista Décio Diamente, 50, foi ombro. E joelho. Ele freqüentava academia de forma intermitente, como a maioria dos 5% de brasileiros matriculados. "Fazia, parava, fazia, parava. Parava por questões profissionais, ou por lesões", diz.O médico começou por recomendação, para fortalecer clavícula e escápula. "Mas acabei entrando no sistema massificado: máquinas, esteira. Quando percebia, estava com dor." O problema virou crônico. Teve tendinite com bursite no ombro (inflamação no tendão com a doença reumática que inflama as bursas, cavidades que contêm o líquido sinovial). "Doía muito e dói ainda."

O aluno deve buscar avaliação física séria e checar se a academia dá suporteA pesquisa da academia deve ir além de preço e localização. A pessoa deve checar se há acompanhamento na evolução do treino e qual a política de admissão de pessoal.

A conclusão de um estudo é a de que o mercado valoriza a aparência e juventude do instrutor, não a experiência e a formação. Muita ação precisa ser feita tanto pelos cursos de preparação quanto pelos conselhos de educação física, diz o professor universitário de educação física Alfredo Cesar Antunes, doutorando pela Universidade Estadual de Campinas e autor do estudo.

Mas, segundo o presidente da Acad, "grande parte das lesões ocorre pela própria irregularidade dos clientes na frequência". Só 5% da população freqüenta academias, na estimativa da associação. E é a minoria dessa minoria que mantém uma prática regular. "Existe um vai-e-volta imenso. Os clientes querem ganhar massa muscular e perder peso rápido, não querem trabalho de longo prazo. Aí vem o exagero."

Fonte: Folha de São Paulo