Emigrantes de chuteiras

By Pollyana Nascimento. On 03/28/09 23:57 . Updated at 01/24/12 08:26 .
Um estudo feito naUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) traçou o perfil dos emigrantesde chuteiras e constatou que eles vivem em condições tão especiais que nãochegam a ser considerados imigrantes nos países de destino

Entre os milhões de brasileiros atualmente residem noexterior, há cerca de 5 mil jogadores de futebol.A pesquisa, publicada na revista *Horizontes Antropológicos*, aponta aindaque os jogadores emigram cada vez mais jovens, normalmente são os caçulas dafamília e, em grande parte, são evangélicos. A autora, Carmen Silvia Rial, éprofessora do Departamento de Antropologia da UFSC.

O ato de emigrar para jogar em clubes do exterior – ou "rodar", na linguagemfutebolística, é classificado como "circulação" no estudo, já que osjogadores estão em outros países de passagem, de acordo com a antropóloga."Eles não se consideram e não são considerados como imigrantes. Suasreferências de fronteiras simbólicas não são as nacionais ou locais, mas asdos clubes", disse Carmen à *Agência FAPESP*.

Segundo ela, essa circulação ocorre em circuitos particulares, que podemabranger diversos Estados-nações, sem que suas fronteiras sejamespecialmente relevantes. A primeira característica que se diferencia essegrupo dos emigrantes é o registro, mais preciso do que nos casos deemigração convencional.

"Não há dados precisos sobre a emigração no Brasil, porque grande parte daspessoas sai sem declarar. No caso dos jogadores de futebol isso não ocorre.Todo esse fluxo é registrado. Embora esses jogadores venham, em grandeparte, das camadas médias e subalternas, com perfil parecido dos emigrantesque normalmente saem do país, eles não são vistos como imigrantes lá fora,mas contam com um estatuto especial", disse.

De acordo com Carmen, o perfil desses jogadores em nada se aproxima doimigrante que aparece na mídia estrangeira – rótulo geralmente impingido comteor pejorativo. Normalmente, segundo ela, o termo é empregado para designaros trabalhadores braçais e é associado ao crime e à ilegalidade. "Emreportagens sobre imigração, os jogadores são invisíveis nas matérias. Nemos próprios jogadores se identificam como imigrantes nos países onde estãojogando", afirmou.

"Há uma grande distância entre o estatuto do jogador de futebol e o que seconsidera imigrante nos países de destino, mas, por outro lado, há umaproximidade com outros tipos de circulação hoje no mundo. Intelectuais eestudantes que vão fazer doutorado e pós-doutorado no exterior não sãovistos como imigrantes e eles também não se representam de modo", disse.

A idéia de emigração hoje, afirma a pesquisadora, "precisa ser repensadapara incluir essas pessoas que circulam pelo planeta sem corresponder aoperfil daqueles que rompem vínculos e referências familiares e nacionais". A pesquisa, iniciada em 2003, partiu da perspectiva dos jogadoresbrasileiros no exterior. Participaram cerca de 40 jogadores que viviam ouhaviam vivido e exercido sua profissão no exterior – muitos deles em mais dedois países. De acordo com a pesquisadora, o estudo etnográfico seconcentrou nas cidades de Sevilha (Espanha) e Eindhoven, na Holanda.

"Também conversei com muitos de seus familiares, amigos, empresários,técnicos e secretários diversos, realizei entrevistas, assisti a treinos e ajogos, visitei seus restaurantes preferidos e algumas de suas casas noCanadá, Holanda, Japão e também no Brasil. E mantive longas conversastelefônicas com jogadores e seus familiares na França, Mônaco e Bélgica",explica Carmen, que atualmente escreve um livro sobre o tema.

*Caçulas e evangélicos*

O estudo aponta que cerca de 90% dos entrevistados que migraram sãoprovenientes de camadas com menores faixas de renda. A maioria dos jogadoresentrevistados tinha apenas o primário, e uma parcela de cerca de 10%conseguiu terminar o secundário. Apenas duas entre as esposas concluíram oterceiro grau, mas segundo o estudo "há uma tendência de que as mulheresapresentem uma escolaridade maior do que a dos jogadores". O perfil identifica ainda que os jogadores receberam apoio familiar e, emgeral, são os caçulas da casa. Um dado que chamou a atenção, segundo Carmen,diz respeito à prática religiosa. "É interessante como Deus – e não areligião – é um valor central na vida deles, em sua grande maioria,evangélicos."

A pesquisadora destaca a efemeridade de suas permanências nas instituiçõesde trabalho e nos países no exterior e caracteriza essa emigração como uma"circulação", que poderia ser chave explicativa para a manutenção dessesentimento nacional. Segundo ela, o estudo terá continuidade. Mas com outrofoco. "Trabalhei muito com celebridades, com jogadores que tiveram carreiras desucesso no exterior em clubes globais, e menos com os desconhecidos, queestão em outra faixa salarial. Quero agora focar nesse grupo que está noexterior, mas que não tem a mesma trajetória de sucesso, anônimos para nósbrasileiros, que estão em clubes menores e periféricos. E também focar nosque já retornaram", disse.

Para ler o artigo *Rodar: a circulação dos jogadores de futebol brasileirosno exterior *, de Carmen Silvia Rial, disponível na biblioteca on-lineSciELO (Bireme/FAPESP), *cliqueaqui

Source: Fapesp