Mitologia polar

By Pollyana Nascimento. On 03/24/09 06:58 . Updated at 01/24/12 08:26 .
Glaciologista desfaz alguns dos principais enganos na percepção que o público brasileiro tem da antártida

Jefferson Cardia Simões, diretor do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e líder da Expedição Deserto de Cristal, primeira missão brasileira ao interior da Antártida, escreve para a “Folha de SP”: Mesmo após 25 anos de presença do Brasil na região, com a inauguração da estação Antártica Comandante Ferraz, em 1984, ainda permanecem muitos mitos sobre o ambiente antártico. Mapas em projeções geográficas inadequadas para as regiões polares deformam a Antártida além da compreensão. (Quem já observou a posição e forma das regiões polares em um globo? Ou uma comparação do tamanho do Brasil com a Antártida?) Dificulta também a má definição da região tratada nos textos, confundindo o continente propriamente dito (cerca de 13,7 milhões de quilômetros quadrados) com a região antártica (ou seja, o continente e o oceano Austral juntos). O uso de termos arcaicos (oceano Glacial Antártico) só faz piorar essa situação.

Na imprensa, a área geográfica tradicional de atuação do programa do governo e de velejadores brasileiros, e mais recentemente de turistas, a Antártida marítima (aquela mais amena e em grande parte ao norte do Círculo Polar), é apresentada como representativa de toda a região. Isso não reflete a diversidade ambiental! Mas talvez a causa principal desses erros é o mito que vivemos em um país tropical verdejante com riquezas inesgotáveis, longe e pouco afetado pelas regiões mais frias do planeta. Mito este que também dificulta a compreensão das mudanças ambientais globais. Abaixo, listo alguns dos principais mitos e erros que frequentemente aparecem na imprensa, nos livros do ensino básico ou em conversas sociais.

MITO: O continente antártico é longe do Brasil.FATO: A Antártida é o segundo continente mais próximo do país. Porto Alegre está a somente 3.600 km da Estação Antártica Comandante Ferraz. Ou seja, Boa Vista (capital de Roraima) está mais longe (3.776 km).

MITO: O gelo do planeta está no hemisfério Norte, portanto não afeta o Brasil.FATO: Noventa por cento do volume do gelo do planeta está no continente antártico. O Brasil é o 7º país mais próximo dele.

MITO: O Brasil é um país tropical, portanto pouco afetado pela regiões polares.FATO: O sistema ambiental é um contínuo e há relações de interdependência. A circulação atmosférica e oceânica existe devido ao transporte de energia dos trópicos para as regiões polares. Assim, o regime climático brasileiro é regido por fenômenos que ocorrem tanto na Amazônia quanto na Antártida.

MITO: Toda a Antártida é extremamente fria.FATO: É uma generalização indevida. Tratando-se de um continente, seria de esperar grandes variações na temperatura do ar. Assim, a temperatura média anual na ilha Rei George (onde fica a estação Comandante Ferraz) é de -2,8oC, no polo Sul geográfico é de -49oC e na estação russa Vostok é de -55oC.

MITO: O Brasil tem uma estação no polo Sul.FATO: Nossa estação antártica está situada a 3.115 km ao norte do polo Sul geográfico. A distância da Estação Antártica Comandante Ferraz ao Chuí é quase a mesma (3.172 km).

MITO: O gelo de toda a Antártida esta derretendo.FATO: O que está derretendo são aquelas geleiras e plataformas de gelo situadas na região mais amena da Antártida, a península Antártica.

MITO: O continente antártico duplica de tamanho no inverno devido ao congelamento do mar.FATO: No inverno, o oceano Austral congela. O gelo pode cobrir até 22 milhões de quilômetros quadrados, mas é uma camada que raramente ultrapassa 1,5 m de espessura. Ou seja, continua a ser um oceano.

MITO: As condições meteorológicas na Antártida mudam rapidamente.FATO: Uma observação válida para a Antártida marítima. Conforme adentramos no continente, o tempo fica mais estável.

MITO: Na Antártida temos seis meses de luz e seis meses de escuridão. Em toda a região antártica temos o sol da meia-noite.FATO: Esta observação só é válida para o polo Sul geográfico. Na Estação Comandante Ferraz já não ocorre o sol da meia-noite, pois ela está ao norte do Círculo Polar. Lá, a noite mais curta do ano tem 4 horas e 12 minutos (como uma penumbra).

MITO: Missões polares são similares às de montanhismo.FATO: Existem poucos pontos em comum, além do frio. Missões de montanhismo atuam em terrenos muito íngremes, raramente têm algum interesse científico, geralmente têm curta duração. Uma expedição polar tem características exatamente opostas.

MITO: Roupas polares térmicas têm aquecedores.FATO: As roupas polares usam o princípio das camadas, onde são criadas camadas de ar (isolante) entre elas. É o calor do próprio corpo que é retido.

MITO: O Programa Antártico Brasileiro (Proantar) é um programa da Marinha.FATO: O Proantar é um programa nacional, gerenciado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. A Marinha é responsável pela logística; as universidades e institutos, pelas pesquisas.

Com 5ºC a mais na região oeste da Antártida, o manto de gelo que existe lá provavelmente entra em colapso, como já ocorreu no passado, o que pode fazer aumentar em até 5 metros o nível médio do mar. A afirmação, que emerge da biografia do manto da Antártida Ocidental publicada na última edição da revista "Nature", se baseia em um modelo matemático (com suas incertezas) e também em análise do sedimento marinho da região. Esta última, feita pelo grupo liderado por Tim Naish, da Universidade Victoria (Nova Zelândia), mostra que no passado, principalmente entre 3 milhões e 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura na Antártida esteve mais alta, ocorreu o colapso do manto de gelo, que pode voltar a ser real no futuro – ainda mais num cenário de aquecimento global.

Segundo Robert DeConto, da Universidade de Massachusetts (EUA), que produziu o modelo matemático, a quebra do manto de gelo é rápida – em termos geológicos, pelo menos. Em 5.000 anos o gelo marinho no oeste do continente pode sumir, para em 7.000 anos, aproximadamente, reaparecer. O modelo criado pelos cientistas conseguiu detalhar o comportamento das massas de gelo que ficam sobre o mar e também sobre o continente.O que prova, segundo Philippe Huybrechts, da Universidade Vrije (Bélgica), que escreveu um comentário para "Nature", ser remota a possibilidade de um colapso catastrófico ocorrer em uma escala ainda mais curta, de uma ou algumas centenas de anos, como alguns grupos de pesquisa estimam.

Para o glaciologista brasileiro Jefferson Simões, o estudo ajuda a acumular evidências, de novo, que a Antártida Ocidental pode sofrer colapsos, contribuindo rapidamente para o aumento do mar". Mas isso, diz o pesquisador, "nem chega a ser uma novidade" para os grupos que estudam a região. O ponto importante do trabalho, ressalta Simões, é reforçar a ideia de que "além do derretimento em si do manto, podemos jogar muito gelo diretamente para o mar".

Source: Jornal da Ciência