Nervos de aço

Por Pollyana Nascimento. Em 01/05/09 12:17. Atualizada em 24/01/12 08:26.
Uma descoberta de pesquisadores do Rio promete aliviar as dores de muita gente. Eles encontraram uma espécie de gatilho para acelerar a recuperação de lesões em nervos

Quando sofremos uma lesão num nervo — seja um corte comum, um rompimento de tendão ou músculo, uma incisão cirúrgica, por exemplo — nosso organismo se mobiliza para restaurar a normalidade. Como todo mundo sabe, isso acontece de forma lenta e dolorosa. O estudo de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pode tornar as coisas mais fáceis. O grupo liderado pela neurocientista Ana Maria Blanco Martinez, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, descobriu que quando uma determinada proteína é bloqueada, os nervos se recuperam mais depressa. Junto com os pesquisadores Marcelo Sampaio Narciso, que defendeu tese de doutorado sobre a descoberta ontem, e Bruno Mietto, ela investigou o papel de uma proteína chamada galectina-3 na recuperação do chamado sistema nervoso periférico — a gigantesca e complexa rede de nervos espalhada por todo o corpo.

Já se sabia que a galectina-3 só é produzida quando acontece uma lesão. Ela é uma espécie de faxineira celular. Seu serviço é limpar a área atingida e remover as células destruídas pela lesão. — Para regenerar direito primeiro é preciso limpar. Nossa ideia original era investigar melhor como isso acontecia. Mas tivemos uma grande surpresa — conta Ana Maria Martinez.

E a surpresa foi que a ausência da galectina-3 não atrasava em nada a recuperação. Na verdade, os nervos se regeneravam mais rapidamente. Acontecia o contrário do esperado. A descoberta amplia de tal forma o horizonte sobre a recuperação do sistema nervoso que mereceu a capa da revista científica “Experimental Neurology”, uma das mais importantes da área. — A nossa descoberta sem dúvida pode levar ao desenvolvimento de fármacos que possam não somente melhorar e acelerar a regeneração no sistema nervoso periférico quanto abrir novas portas para estudos de regeneração do sistema nervoso central — afirma Ana Maria.

Lesões nervosas são sempre difíceis de tratar. Porém, o sistema nervoso periférico tem razoável capacidade de regeneração. Já com o central — cérebro e medula espinhal — as coisas são muito mais complicadas. Na linguagem da ciência, existe um ambiente hostil à regeneração. E é em consequência dele que lesões no cérebro e na medula espinhal levam a danos irreparáveis, como paralisia.

— E mesmo o sistema periférico se recupera lentamente, às vezes leva anos. E às vezes ele não se recupera nunca. Uma lesão no ombro, por exemplo, pode deixar sequelas por três anos — diz a cientista. Em geral, o crescimento do axônio (prolongamento do neurônio, a célula nervosa) ocorre num ritmo de 1mm/dia. Assim, quanto mais longe do alvo (um músculo, por exemplo) for a lesão mais tempo levará para o axônio chegar e restabelecer os sinais nervosos. E se o músculo tiver atrofiado, a ligação nervosa não vai funcionar e, consequentemente, a função perdida (um movimento ou sensibilidade de alguma região) não será restabelecida.

O grupo da UFRJ usou camundongos geneticamente modificados para não ter a galectina-3 para fazer o estudo. Os cientistas viram que quando ocorria uma lesão, esta era recuperada mais depressa. — Na falta da galectina-3, alguma outra proteína entra em ação e ocupa o lugar dela. Uma droga poderia fazer o papel dessa proteína e ajudar na recuperação. Estamos agora justamente investigando esse mecanismo — diz Ana Maria. Ela e sua equipe também estudam o bem mais complexo sistema nervoso central. Não é que esses neurônios não possam se recuperar. As células à volta deles é que não deixam — o tal ambiente hostil. Elas liberam substâncias que inibem o crescimento dos neurônios. Como e porque isso acontece é o que todo mundo quer saber. A descoberta da UFRJ mostra um caminho.

Fonte: Jornal da Ciência