Ministro vê ''racismo ambiental'' em envio de lixo de países ricos
O Brasil pretende protagonizar uma discussão mundial sobre o envio de lixo de países ricos para países em desenvolvimento, anunciou ontem o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, após vistoriar os contêineres com lixo inglês encontrados nas últimas semanas no Porto de Santos. O ministro classificou a prática de "racismo ambiental" e afirmou que, por causa de ações como o plano de mudanças climáticas e o fundo amazônico, o Brasil é respeitado e está apto para cobrar providências internacionais na questão ambiental. "Vamos cobrar dos países ricos que não permitam que as empresas cometam esse crime ambiental e alertar aos países em desenvolvimento que eles estão servindo de lixeira dos países ricos, que no discurso vão salvar o planeta, mas não conseguem nem tratar do próprio lixo", afirmou Minc, que não esclareceu objetivamente o motivo da sua visita ao Porto de Santos. "Eu estou aqui porque sou ministro do Meio Ambiente e se descobriu que o Brasil está importando lixo ilegal e eu participo todo mês de reunião com os ministros do Meio Ambiente; a última que teve foi um mês atrás, na Groenlândia."
Plástico: O lixo inglês começou a ser encontrado no Brasil no fim do mês passado. Armazenada em 89 contêineres distribuídos nos Portos de Santos e de Rio Grande e em uma estação alfandegária de Caxias do Sul (RS), a mercadoria importada como plástico para reciclagem na verdade tem mais de 1,7 mil toneladas de lixo, descrito pelo ministro como, "lixo doméstico e hospitalar, material em decomposição, chorume, insetos e ‘patogenias’". Segundo o jornal britânico The Independent, o Reino Unido é responsável por 15% do lixo produzido pela União Europeia e cada britânico joga fora quatro mercadorias eletrônicas por ano. As ocorrências de envio de lixo para outros países estão fazendo o governo reavaliar a forma como exige o cumprimento de regras internacionais que proíbem a prática - como uma norma europeia que impede a exportação de lixo eletrônico. O ministro do Meio Ambiente britânico, Hilary Benn, já ordenou uma investigação sobre as cargas enviadas ao Brasil. De acordo com Minc, o Itamaraty entrou em contato com a Inglaterra, que se prontificou a tomar todas as medidas necessárias para receber o lixo de volta. Os 48 contêineres que estão no Rio Grande do Sul começarão a ser devolvidos na próxima segunda-feira.
Cádmio e chumbo: Além de intervir junto à Inglaterra, Minc afirmou que o Brasil vai cobrar também providências da Itália, da Espanha e dos Estados Unidos - por causa da exportação de lixo químico. O ministro afirmou ter sido avisado apenas na última quinta-feira, pelo Ibama de São Paulo, que o Porto de Santos abriga contêineres com metais pesados desde 2004. "São mais de 20 contêineres com chumbo e cádmio originários da Itália, Espanha e dos Estados Unidos. Isso daqui tem processo de investigação da Abin. Na Polícia Federal, esse assunto vai entrar na pauta." O ministro do Meio Ambiente disse ainda que as outras medidas que serão tomadas para combater o problema, incluindo um trabalho de inteligência para investigar o passivo ambiental causado por empresas nos últimos anos. Deve ser criada também uma comissão de combate a crimes ambientais - para evitar que ocorra impunidade.(Rejane Lima)
Brasil mobiliza diplomatas e ONU notifica governo inglês A Organização das Nações Unidas (ONU) notificou o governo do Reino Unido pela suspeita de exportação de lixo ao Brasil, cobrando uma solução imediata e pacífica para o problema, antes que outras medidas internacionais possam ser tomadas. Ontem, o Brasil denunciou o governo britânico com base na Convenção de Basileia, que regula o transporte e fluxo de materiais tóxicos pelo mundo. O argumento brasileiro é de que as empresas no Reino Unido violaram as regras ao enviar contêineres de lixo ao Brasil. Diante da queixa brasileira, a ONU optou por dar atenção total ao caso, ainda que não tenha o papel de tribunal ambiental. Com sede em Genebra, a Secretaria da Convenção da Basileia pode, no máximo, ajudar os países afetados e contribuir para as investigações. "Notificamos o governo britânico sobre o caso", confirmou o especialista da secretaria Tarcisio Hardman Reis. Com a notificação, o governo britânico passa a ser responsável também por encontrar uma solução para o caso. Além da queixa, o governo brasileiro enviou um diplomata até a secretaria da Convenção em Genebra para avisar: o Itamaraty não aceitará nenhuma outra solução que não seja a devolução do lixo para o Reino Unido. "Somos inflexíveis sobre esse ponto", explicou o diplomata brasileiro, que se reuniu com as autoridades na ONU. O que o Brasil teme é que a solução proposta seja dar um tratamento local ao lixo e a conta seja enviada aos ingleses. O Itamaraty deixou claro que caberá ao governo inglês a responsabilidade de repatriar a carga. O que o Itamaraty quer é dar uma mensagem política de que não aceitará que os países emergentes sejam o depósito de lixo produzido nos países ricos, um fenômeno que segundo a ONU está crescendo no mundo. Em entrevista ao Estado, o vice-secretário da Convenção, Nelson Sabogal, garantiu que o escritório acompanhará de perto o caso. "Pedimos que os governos esgotem as soluções diplomáticas, antes que passemos a qualquer outra pedida. O caminho agora é a via bilateral", afirmou. Se não houver uma solução, a ONU então criará um comitê para avaliar a situação e sugerir medidas contra a Inglaterra. Segundo a ONU, os casos de tráfico de lixo são inúmeros. Uma das estimativas aponta que entre 100 mil e 150 mil toneladas podem estar circulando por contêineres pelo mundo a cada ano. "Não sabemos se isso é apenas uma parte do problema, já que é difícil avaliar o tráfico ilegal", observou Sabogal. "O dumping de lixo ocorre por uma questão econômica e já pedimos até a colaboração da Interpol e de outras entidades para lidar com esse fenômeno."(Jamil Chade)
Projeto de lei de resíduo sólido tramita desde 1991 A importação de resíduos e lixo é proibida no Brasil, pois o País é signatário da Convenção da Basileia, que proíbe o trânsito de resíduos sólidos e líquidos perigosos entre países. Entretanto, de acordo com a situação do mercado, empresas que atuam no Brasil podem importar alguns materiais, como sucata de papel, ferro, aço, segundo informações da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos (Abetre). O alto valor de multas e os elevados preços da tonelada de lixo depositada em aterros nos países desenvolvidos leva companhias a exportar seus detritos.
1. Há uma legislação internacional que regule o comércio de resíduos? Em 1993, Brasil e Reino Unido assinaram a Convenção da Basileia, que proíbe o trânsito de resíduos sólidos e líquidos perigosos entre países. Essa convenção foi estabelecida como um meio de acabar com a destinação ilegal dos resíduos perigosos dos países industrializados, principalmente os EUA, Canadá, Europa Ocidental e Japão, aos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, ou mesmo para a Antártida e países da Europa Oriental, causando danos ambientais. A medida não proíbe o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, apenas estabelece regras que podem ser regulamentadas.
2. Qual o custo da disposição do lixo em países desenvolvidos e a destinação em outros países? A disposição de uma tonelada de resíduos perigosos nos países desenvolvidos custa de US$ 100 a mais de US$ 2 mil, enquanto que nos outros países custa em torno de US$ 2,50 a US$ 70.
3. Se o País tem problemas em destinar seu lixo, por que ainda o importa? O Brasil já chegou a importar pneus usados para a indústria da recauchutagem, sucata de ferro, aço, papel e papelão. Mas varia de acordo com a necessidade de mercado.
4. O Brasil exporta resíduos? A indústria nacional exporta alguns resíduos de equipamentos eletroeletrônicos e baterias de celulares para serem reprocessados em outros países.
5. Para que servem os resíduos importados? O lixo importado serve para alimentar a indústria brasileira. Mas esse tipo de prática não é usual. Esse tipo de importação é regulada pelo Ibama.
6. Há algum empecilho legal que proíba o País de receber lixo? Como um dos 168 signatários da Convenção da Basileia, o Brasil proíbe a importação de muitos resíduos. Mas ainda não existe uma política nacional de resíduos sólidos, cujo projeto de lei tramita no Congresso desde 1991. Não há controle do envio de resíduos industriais de um Estado a outro, para tratamento. Cerca de 14% dos resíduos industriais são levados para outros Estados, para serem tratados, em função da tecnologia existente.(Eduardo Reina)
Fuente: Jornal da Ciência