Só Brasil aposta em exame único
O vazamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) dias antes de sua aplicação trouxe à tona questionamentos sobre a complexidade de se promover com segurança uma prova unificada, de amplitude nacional e com status de vestibular num universo de mais de 4,1 milhões de estudantes, distribuídos por 1.843 municípios e com pelo menos 315 mil profissionais envolvidos.
Quando comparada ao cenário internacional de ingresso no ensino superior, a experiência brasileira, tanto em números quanto em centralização, é única.
Os modelos pelo mundo são bastante diversificados; em cada país há exigências e características próprias. Mesmo assim, das pequenas nações europeias às grandes potências asiáticas, nenhum exame para ingresso nas universidades mobiliza o cenário estudantil em datas únicas e com o mesmo conteúdo da maneira como o Enem fará em 5 e 6 dezembro.
As experiências mais parecidas com isso acontecem nos Estados Unidos e na China. No modelo americano, os candidatos a uma vaga universitária têm de fazer o Scholastic Aptitude Test (SAT), um exame com questões de matemática, leitura crítica e redações, cujo modelo teórico de organização em níveis de dificuldade, permitindo avaliar de maneira mais completa as competências do candidato, serviu de inspiração para o novo Enem.
A diferença é que o exame é feito diretamente no computador, são realizadas três edições ao ano - e os estudantes escolhem entre as várias datas, o que diminui a pressão em torno de um único dia. Além disso, o SAT é apenas uma das exigências para se obter uma vaga.
Com a pontuação obtida no exame, o candidato preenche as chamadas applications, formulários extensos com biografia e perfil do aluno, numa espécie de apresentação pessoal, histórico escolar e atividades extracurriculares desenvolvidas ao longo do ensino básico. Em vez de ser uma simples ficha de identificação, como acontece no Brasil, as chamadas applications são parte importante do ingresso nas universidades americanas, que escolhem bem o perfil de aluno que querem.
Em Harvard, a melhor universidade do mundo segundo ranking do jornal britânico The Times divulgado nesta semana, os formulários são diferentes para cada curso e devem ser enviados pela internet. Para a graduação em Direito, por exemplo, o formulário pede a pontuação do SAT, uma carta de apresentação e documentos de recomendação. Além disso, o candidato deve realizar um outro exame, feito pela universidade. Por fim, os que passam por essa peneira são submetidos a uma entrevista por telefone.
"Nos Estados Unidos existe também essa transição mais direta da conclusão do ensino básico para o ensino superior. Mas mesmo assim ela é feita por um método consolidado desde meados de 1940", afirma Francisco Soares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em avaliação educacional. "A grande diferença é que a maioria dos países desenvolvidos leva em consideração outros itens para ingresso nas universidades, além dos resultados de uma prova", explica.
Mesmo no modelo chinês, extremamente centralizado, aplicado uma vez ao ano durante três dias que paralisam o país, as provas são diferentes - cada província pode elaborar o seu exame, de acordo com as características próprias e o perfil dos alunos (mais informações nesta página).
Certificação
Na Finlândia, país que tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo de acordo com avaliações internacionais, estudantes que completam o ensino médio, dividido entre científico e técnico, prestam um exame de certificação, que lhes garante o título da educação básica - e com ele podem partir para o mercado de trabalho, continuar estudos na área técnica ou se candidatar ao ensino superior. Cada universidade define seus critérios de seleção a partir disso e abrem seus processos pela internet.
"As universidades selecionam de forma independente seus estudantes, em geral pela análise das qualificações e por provas diferentes de admissão", explica Raisa Ojala, gerente de projetos da Embaixada da Finlândia no Brasil. "Ele apresenta seus documentos e a instituição analisa se aceita ou não."
Na Alemanha, na França, na Bélgica e na Inglaterra, entidades ligadas ao ministério da educação também organizam exames de certificação do ensino básico, que devem ser prestados por todos os alunos e apresentam vários níveis.
No caso da Alemanha e da França, as universidades usam a pontuação neste exame final, uma média ponderada das notas do ensino médio. Em carreiras mais concorridas, como Medicina e Odontologia, fazem processo de seleção adicional, com provas ou entrevistas, direcionando o conteúdo para as áreas ligadas à carreira. Na Inglaterra, o processo é semelhante: cada instituição decide como usa as médias de desempenho do ensino médio e da certificação final.
"Todo mundo sabe que precisa fazer o exame de certificação final, mas o peso não é tão grande porque há outros elementos que determinam se o estudante consegue ou não a vaga", explica a arquiteta Daniela Torres, de 27 anos, que estudou na França durante os últimos anos do ensino médio e na graduação.
"É claro que há tensão, que os estudantes ficam preocupados. Mas percebo que no Brasil é diferente, até porque a proporção de candidatos por vaga nas boas universidades daqui é bem diferente", diz. Em Portugal e no Chile existe uma prova geral de acesso. Porém, há um direcionamento para cada área do conhecimento. Candidatos a uma carreira da área de exatas fazem uma prova voltada para matemática, por exemplo.
China aplica testes diferentes em cada província
A China tem um exame nacional para admissão de estudantes universitários que é realizado durante três dias em todo o país no mês de junho. Em 2009, 10,2 milhões de candidatos realizaram a prova, 100 mil alunos a mais do que em 2008.
Apesar de ser nacional, o exame não é o mesmo em toda a China, já que várias províncias têm liberdade para elaborar suas próprias provas. A flexibilidade reflete as disparidades regionais do enorme território chinês, no qual a qualidade da educação está longe de ser uniforme.
Além disso, a pontuação exigida dos candidatos varia de província para província. Há vários fatores que influenciam na "nota de corte" de cada província.
Entre ele, o número de universidades na região e políticas preferenciais para os que vivem nos locais onde estão localizadas as instituições de ensino escolhidas. Os moradores de Pequim, por exemplo, precisam de menos pontos para entrar na Universidade de Pequim do que os que vivem em outras províncias.
Quando se inscrevem para o exame, chamado de gaokao, os alunos devem escolher as universidades e os cursos de sua preferência, podendo optar por qualquer uma em todo o território nacional. O exame é realizado na cidade onde o candidato vive.
Há um sistema de três níveis e o aluno deve indicar em quais instituições gostaria de estudar em cada um deles. Se obtiver a pontuação mais alta, poderá entrar em uma das universidades principais.
Abaixo disso, a opção são as universidades regulares e, depois, as faculdades técnicas. Os que não obtiverem a pontuação mínima exigida ficam de fora e podem tentar o exame no ano seguinte. Dos 10,2 milhões que realizaram a prova neste ano, 6,29 milhões foram aprovados.
Os candidatos são divididos entre ciências e humanas, de acordo com o curso escolhido. As provas são diferentes, mas três matérias são comuns: chinês, matemática e língua estrangeira, normalmente o inglês. Os que optam por ciências são examinados ainda em química, física e biologia, enquanto os de humanas fazem provas de geografia, história e política.
Source: Jornal da Ciência