AGITA BRASIL

Por Pedro Ivo. Em 23/12/11 00:03.

Análise crítica da proposta do programa AGITA BRASIL

Prof. Francisco Luiz de Marchi Netto – FEF/UFG
Prof. Ferdinand Eugene Persijn – FEF/UFG

Ao participarmos da oficina de multiplicadores do Programa Nacional de Promoção da Atividade Física – AGITA BRASIL, realizado em Goiânia no dia 27 de novembro de 2001, sentimo-nos na obrigação de fazer algumas reflexões e considerações à cerca dos aspectos que julgamos serem importantes e que dizem respeito ao mesmo.
O programa tem como objetivo atenuar uma questão que vem preocupando o Ministério da Saúde já há muito tempo, que o constante aumento dos índices de doenças crônicas não transmissíveis – DCNT- e as doenças crônicas degenerativas – DCD – que, segundo fontes do próprio Ministério, tem provocado um ônus muito grande no Sistema Único de Saúde – SUS. Por ser um montante muito grande de recursos financeiros destinado ao atendimento nos postos de saúde para a realização de consultas e exames especializados e caros, bem como, no aumento do uso de medicamentos por parte de uma grande parte da população de baixa renda, é que o Ministério da Saúde busca, através da implementação desta proposta, minimizar o "déficit de caixa" do governo nessa área em especial e, ao mesmo tempo, diminuir os altos índices de incidências dessas doenças na população brasileira.

O Ministério da Saúde, amparado nos dados apresentados pelo CELAFISCS, que atribui ao sedentarismo e aos hábitos de vida da maior parte das pessoas que residem nos centros urbanos, lança uma campanha nacional através de um programa que envolva todos os Estados e municípios brasileiros. O programa busca mobilizar as pessoas à cerca da importância da atividade física e de movimentarem-se "mais" no dia-a-dia, motivando-as para que façam todo e qualquer tipo de atividades corporais, com o firme propósito de tirar as pessoas do sedentarismo e, com isso, minimizar os problemas relacionados à saúde.
Com o objetivo de conquistar a maior adesão da população neste programa, o Ministério da Saúde, utiliza-se de uma série de argumentos direcionados aos profissionais ligados a área da saúde para que sejam agentes multiplicadores, em seus Estados e nas instituições de trabalho, para que a população venha a aderir de alguma maneira ao mesmo, garantindo a todos melhorias significativas para a saúde e à qualidade de vida de todos aqueles que dele fizerem parte.
Com relação a este e outros aspectos pertinentes, buscamos discutir algumas questões pontuais à cerca dos argumentos apresentados pelos divulgadores do programa AGITA BRASIL, que poderão contribuir para o debate de todos os envolvidos neste programa.



1. Da proposta do programa.

Com relação aos benefícios físicos a proposta do programa tem-se amparado em pesquisas e está em conformidade com a literatura existente no meio acadêmico/científico de que ao exercitar-se por um período de 30 minutos de forma ininterrupta ou intervalada em algum tipo de atividade que envolva movimentos (atividades físicas), todos praticantes poderão atingir benefícios, resultando em controle de peso; aumento da resistência contra as doenças; controle da pressão arterial; aumento da força muscular; aumento de resistência geral e fortalecimento dos ossos. De acordo com o que diz a proposta do programa, todos esses benefícios podem ser atingidos independentemente do tipo ou da modalidade do exercício; e qualquer atividade pode ser feita, de forma contínua ou mesmo intervalada, em até 3 intervalos de 10 minutos diários.

Neste sentido é que nós, professores e pesquisadores da área, questionamos e discordamos de que essa metodologia, contida no programa, atinja os benefícios descritos anteriormente. Em conformidade com as pesquisas e com a literatura científica no meio acadêmico, desconhecemos a existência de qualquer publicação e pesquisa que tenha sido realizada, utilizando atividades físicas diárias, do cotidiano das pessoas em seus locais de trabalho ou mesmo no meio doméstico, e que tenha atingido todos os benefícios citados pelo programa. Entretanto, tem-se o conhecimento de que trabalhadores que realizam atividades corporais leves, moderadas e intensas, como por exemplo: lixeiros, garis, pedreiros, agricultores, entre outras atividades braçais, conseguem atingir alguns dos benefícios citados. Mesmo assim, muitos destes trabalhadores continuam apresentando doenças do tipo diabetes mellitus , hipertensão arterial, alto valor de colesterol ( HDL), entre outras associadas às doenças cardiovasculares.

a) Na fase escolar – a proposta do programa discorre à cerca de uma série de benefícios para as crianças, afirmando que quem participa do programa melhora a sua freqüência às aulas; aumenta o desempenho acadêmico e vocacional das crianças; melhora as relações interpessoais com a família; a responsabilidade e a auto-estima.

A princípio parece-nos que o programa por si só resolve todas as questões que a disciplina de educação física escolar não consegue resolver no ambiente escolar. Por entendermos que é e continuará sendo de total responsabilidade da disciplina de educação física escolar o desenvolvimento de atividades/conteúdos que promovam a aprendizagem dos educandos, bem como o conhecimento das questões relacionadas à saúde dos mesmos, é que atribuímos essa função não a um programa dessa natureza, mas sim ao pleno desenvolvimento da disciplina de educação física dentro do currículo escolar e/ou especial, inserida na proposta política pedagógica da escola.

b) Quanto aos benefícios do programa para a terceira idade é de conhecimento público que movimentar-se é importante, principalmente para aqueles indivíduos que já tenham atingido essa fase da vida, denominada de terceira idade. No entanto essa idade requer um pouco mais de atenção e de cuidados no que diz respeito às limitações impostas pela faixa etária e pelo estado de conservação do próprio corpo. É também de conhecimento público que nessa fase da vida é que os problemas relacionados à saúde mais se acentuam e também que as atividades físicas relacionadas á saúde precisam ser dosadas, medidas e acompanhadas por profissionais qualificados para que o esforço não seja feito de forma aleatória e que a prática não se transforme em riscos de vida para o praticante. Para citar um exemplo do que estamos falando, se levarmos em consideração o aspecto subir e descer vários lances de escada, como propõe o programa, acarretará problemas para as pessoas da terceira idade, principalmente no que diz respeito aos processos degenerativos ósteo/articulares (joelhos, coluna) sem falar da sobrecarga cardiovascular e dos riscos relacionados ao equilíbrio corporal nas dimensões espaciais que o corpo ocupa, podendo-se provocar traumatismos irreversíveis para a pessoa.

c) Quanto aos aspectos sociais, o princípio do programa tem como meta principal atingir a maior parcela da população possível, lançando mão entre outras justificativas, do argumento de que para a realização das atividades propostas o usuário não necessita fazer uso de roupas/calçados ou acessórios especiais; nem mesmo necessita de orientação de um profissional qualificado para a realização diária das práticas ou mesmo da elaboração de um programa de atividades contínuas, ordenadas e organizadas de forma ascendente para a sua realização; mas sim que os participantes destinem apenas uns poucos momentos antes, durante ou logo após o período de trabalho para realizarem a prática de algum tipo qualquer de atividade, conforme fora divulgado nos folhetos do programa AGITA BRASIL.

Neste sentido é que questionamos mais uma vez, a quem se destina essa proposta. Se numa das extremidades da sociedade brasileira a grande massa de trabalhadores já realizam várias atividades físicas no cotidiano de suas funções profissionais, quer seja no deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa( a pé, de bicicleta ou no transporte coletivo); e até mesmo no próprio local de trabalho. Muitas das profissões requer um esforço físico do trabalhador pelas próprias condições de trabalho em si, como por exemplo na construção civil, nas metalurgias, nas fábricas ou indústrias de forma geral, borracharias, lavouras, e em muitas outras profissões onde as atividades físicas se encontram presentes como determinantes do trabalho. As donas de casa das regiões periféricas dos grandes centros urbanos por sua vez, impelidas pelas condições econômicas em que sobrevivem, realizam as próprias tarefas domésticas, as quais são indicadas pelo programa como atividades físicas válidas para o combate ao sedentarismo (lavar e passar roupas, limpezas domésticas, fazer e carregara as compras do mercado ou feira a pé, entre outros).

Já na outra extremidade da sociedade, por sua vez bem mais provida de condições financeiras e culturais, dispõe de uma série de possibilidades que permitem que as pessoas freqüentem clubes, academias ou tenham dentro de suas próprias residências ou condomínios, aparelhos de ginástica e profissionais que orientem e/ou acompanhem o desenvolvimento de programas de exercícios físicos (personais trainers), e esse é o mercado que mais tem crescido na última década, é claro que dentro dessa pequena parcela da sociedade.

Então retornamos ao ponto inicial da questão. A quem se destina este programa? Seria talvez para o universo de pessoas que pertencem à classe média? Bem, nesse caso pensamos que cabe um sério questionamento, uma vez que constatamos a atual realidade social pela qual passa o país, tem levado esta faixa social a assumir um ritmo de vida que os escraviza a maior parte do dia, mobilizando a sua força de trabalho. Ou seja, essa é a classe social que mais tem sido pressionada nas últimas décadas e que tem contribuído, para além das suas condições, face às ameaças da perda do emprego, redobrando esforços ainda maiores em horários além do acertado no contrato, para mostrar empenho e dedicação as empresas nas quais emprestam sua força de trabalho. Além disso, estes trabalhadores tentam arranjar mais tempo para fazer outros "bicos por fora" para contribuir com o já minguado "orçamento familiar".

Bem, agora nos parece que já não sobrou mais muita gente para realizar este programa. Não queremos dizer com isso que o programa não foi feito par ninguém. Apontamos aqui, apenas algumas reflexões à cerca da realidade pela qual passa a sociedade brasileira nestes últimos anos e parece-nos, a continuar neste ritmo, que as coisas poderão piorar ainda mais, quanto à qualidade de vida da população. O quadro é de recessão e no que diz respeito às questões econômicas (salários), empregos, regime de trabalho, perda das garantias históricas conquistadas pelas lutas dos trabalhadores no campo dos direitos trabalhistas.

Entendemos a preocupação e achamos louvável algumas iniciativas do Ministério, como por exemplo da implantação de medidas que permitam o acesso da maioria de trabalhadores de baixa renda dependente do uso medicamentos para o controle e tratamento de doenças e que só poderia adquiri-los com o uso de medicamentos genéricos, pois de outra forma, os cartéis dos laboratórios farmacêuticos não permitem uma estabilidade de preços justos e acessíveis à classe trabalhadora e a população em geral.

Entretanto, se por um lado o Ministério da Saúde está preocupado com a saúde do trabalhador e principalmente, em economizar os recursos a serem investidos no SUS, - propondo medidas como o aumento da taxa do CPMF e lutando pela sua permanência ad eternum -, por outro, o Ministério do Trabalho propõe mudanças nas Leis Trabalhistas, já aprovadas pela ampla maioria dos senadores governistas, no sentido de retirar uma série de conquistas históricas da classe trabalhadora, adquirida com muito esforço ao longo das lutas organizadas pelos movimentos sindicais. A aprovação desta lei gera, entre outros tantos problemas já existentes, uma série de instabilidades e de ameaças no campo social e do trabalho, provocando um estess ainda maior na já sacrificada classe trabalhadora. Afinal, estamos falando no bem-estar e da saúde de qual brasileiro?

Entendemos que os recursos destinados ao Ministério da Saúde, que não são poucos, precisam ser ampliados e devem ser bem melhor aplicados, mas não às custas de mais impostos dos contribuintes, mas sim pelo uso de mecanismos de maior eficiência por parte do próprio governo, através de uma melhor fiscalização das fontes de suas receitas (lê-se aqui, sonegação de impostos) e aplicar uma grande e reforçada " sutura" para estancar as "constantes hemorragias" que ocorrem com tanta freqüência no atual sistema econômico brasileiro, inclusive dentro da própria pasta do Ministério em questão.

2. Quanto à participação das universidades.

A implementação deste projeto prevê a participação com diversas parcerias que poderão servir de âncoras para dar credibilidade e respaldo institucional no desenvolvimento do projeto. No entanto, a FEF enquanto instituição pública, voltada para a formação de recursos humanos na área da licenciatura na UFG, tem procurado realizar um trabalho crítico na formação de seus acadêmicos/profissionais, envolvendo os seus alunos nas questões relacionadas aos conteúdos sociais e nas dinâmicas pedagógicas da aprendizagem da área da educação, do lazer e da saúde, não poderia ficar omissa ao debate, em particular, porque as questões pertinentes a este programa, principalmente no que diz respeito à implementação de idéias e metodologias voltadas para o desenvolvimento da saúde envolvendo atividades físicas para a população em geral e mesmo para grupos especiais, é objeto de questionamento e reflexão.

Neste sentido é que ao analisarmos o referido programa, observamos que o mesmo apresenta uma proposta frágil no sentido de resolver ou minimizar os problemas relacionados as DCNT e DCD, tratando essa questão de forma rasa e superficial desde o seu início. Embora apresente uma série de dados a partir de levantamentos realizados pelo IBGE e dos atendimentos do SUS, o programa não leva em consideração uma série uma série de fatores concretos e reais pelos quais passa a grande maioria dos trabalhadores no seu dia-a-dia, ou seja, desconsiderando o mundo real e concreto dos diversos setores de produção social, as condições de trabalho e de remuneração para que os trabalhadores possam realizar efetivamente o tipo ou modelo de alimentação proposta pelo programa, tanto no que diz respeito às quantidades de refeições, bem como a qualidade dos alimentos a serem adquiridos para a ingesta alimentar.

Avaliamos assim que o papel das universidades dentro do programa é o de apontar os seus equívocos e apresentar uma proposta de atendimento através da sua política de extensão de maneira a atingir de fato um quantitativo de pessoas que já apresentam os sintomas dos problemas relacionados as DCNT e DCD, inclusive, reforçando o que já vem sendo realizado através dos vários projetos de extensão das diferentes unidades de ensino da UFG.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração os aspectos históricos que envolvem as iniciativas dos governos nos últimos tempos, percebemos que não é ao acaso que o Ministério da Saúde apresenta no atual contexto uma preocupação com os altos índices estatísticos dos atendimentos ocorridos nos últimos anos pelo SUS junto a sociedade brasileira e pede auxílio/socorro para que todos se mobilizem no sentido ajudar a minimizar este problema.

Ora, se o organismo social como um todo apresenta-se profundamente debilitado, seria difícil supor que a atividade física, enquanto uma das atividades pertencentes ao universo social do homem, também não refletisse o mesmo estado patológico.

Desmantelado já por vários anos por uma estrutura legal ultrapassada e equivocada e sem perspectiva de modificação do paradigma, o Ministério do Esporte, o extinto INDESP, e atual Secretaria do Esporte, não teriam fôlego para promover – num lance de assepsia – um tratamento aos males provocados pelo já tradicional regime de trabalho escravizante imposto pelo modelo econômico vigente.

Se o resultado fosse verdadeiro em outras experiências equivalente adotadas no passado por outros governos, teriam dado melhores resultado na área da saúde, adotando essa mesma alternativa estratégica que ora o Ministério tenta reeditar com uma outra roupagem denominada de Agita Brasil.

Quem não se lembra do EPT – esporte para todos – utilizado com braço direito do então regime militar, que tinha como princípio fundamental promover o esporte não formal e de massa inspirado na teoria da Educação Permanente? Naquela época essa iniciativa encontrou terreno fértil para sua propagação em todo o país, a partir de uma necessidade da implementação de mobilizar a população brasileira numa onda otimismo e patriotismo associado ao desenvolvimento esportivo e econômico vivido naquela época. A idéia também foi associada como melhorias para a qualidade de vida de todo o povo brasileiro. O EPT assim se deu num momento do conhecido "milagre econômico" alcançado no início da década de setenta, correspondendo a um momento de euforia pela qual passava toda a sociedade brasileira, tendo em vista a conquista obtida pela seleção brasileira de futebol de campo, com o título de Tri-campeã Mundial, na copa do mundo de 70, realizada na cidade do México.

Essa estratégia atingiu uma grande participação e mobilizou boa parte da sociedade brasileira, que aderiu a idéia durante algum tempo. No entanto os problemas de saúde continuaram a existir de forma crescente, mesmo porque o chamado "milagre econômico" não inibiu o avanço da pobreza da maior parcela da sociedade brasileira que continuava mal alimentada, morando em bairros sem a menor infra-estrutura e saneamento básico, desprovida da oportunidade de emprego, educação, moradia digna, transporte, saúde e tantos outros aspectos fundamentais para a tão propalada "qualidade de vida".

Parece-nos evidente o entendimento da necessidade de uma ampla discussão entre os vários setores que integram a área da saúde, principalmente as instituições formadoras de recursos humanos (medicina, enfermagem, nutrição, educação física e outros) tanto nas universidades públicas e privadas em conjunto com os representantes do governo (Ministério da Saúde) e os demais setores da sociedade organizada, para que em conjunto, se discuta a criação de políticas públicas que inclua e oriente a população na realização e participação de programas de atividades físicas, esportivas e de lazer para jovens, adultos, idosos, trabalhadores, donas de casa entre outros, a serem oferecidos e implementados nos diferentes estados da união.

Ao contrário da atual estratégia metodológica que vem sendo utilizada, a qual vem tratando essa questão de maneira unilateral, de uma forma abstrata e descontextualizada, associada ao discurso de que esse programa AGITA BRASIL pode ser implementado da forma de "voluntariado" e sem uma formação profissional especializada, é que alguns iluminado acreditam poder fazê-lo sem se perceberem da realidade em que incorrem ao assim interpreta-lo.

Por discordarmos desse posicionamento e por acreditar que essa questão precisa ser mais bem discutida e tratada de forma concreta, histórica, no conjunto dos setores que formam a sociedade (a academia, a indústria, os trabalhadores e os empresários, as esferas do governo e os demais setores organizados da sociedade) é que nos posicionamos de forma contrária a esse modelo de proposta ou de política social.